As fotografias que Luís Pavão nos oferece contêm em si as sementes (as serpentes) da regeneração. Tudo volta a medrar e a regenerar.
Nelas vislumbramos a Lisboa-Africana, a Lisboa-Queer, a Lisboa-Transgénero, a Lisboa socialmente transversal, e desigual, a Lisboa-Sónica, a Lisboa-Literária, a Lisboa-Fado; a Lisboa-Ribeirinha, dos marinheiros, dos prostitutos, dos foliões, da libertinagem; a Lisboa dos Vampiros, cidade nocturna, subterrânea, subversiva e transgressiva, a cidade triste e alegre daqueles que vivem e trabalham de noite: os padeiros, as varinas, os ardinas, os guardas-nocturnos, os jornalistas, os impressores, e tantos outros.
A Lisboa das múltiplas identidades, das agremiações, dos clubes, das casas de jogos, das tascas, das casas de fado, dos corpos dançantes, desejantes, transbordantes de alegria e de vontade de viver. Lugares inclusivos, onde são bem-vindos os marginais, as minorias e os pobres. A Lisboa de Mário Cesariny, de Camilo de Oliveira, de Luiz Pacheco, esses conhecidos anónimos.
Mas também, claro, a Lisboa rural, transmigrante, transumante, que já não regressa, a Lisboa de armar aos pássaros, de jogar ao berlinde, das vistas dos vales rasgados sobre o rio, dos carros cobertos de lonas, dos slogans políticos inscritos nas paredes, a Lisboa revolucionária, com consciência política e de classe.
[Nuno Faria]
As pessoas que aqui vos trago estavam em Lisboa, aqui viviam e por aqui lutavam para sobreviver. Foram reais, existiram aqui, fizeram isto ou aquilo, sobreviviam desta ou daquela forma na grande metrópole. A imagem fotográfica reconstitui um pedaço da cidade, um pedaço do tempo, daqueles que por aqui deambulavam, que por aqui gastaram as suas vidas. As fotografias permanecem, tudo o que mostravam mudou: tabernas encerradas, colectividades desfeitas, fadistas que perderam a voz, bailarinas que deixaram de encantar, orquestras que se sumiram, demolições que nos chocaram, novas construções e novas ocupações, gentes que se deslocaram para longe, outros que vieram de longe para aqui se estabelecerem.
Luís Pavão