PREFACIO
Pedro Abrunhosa
A Arte não é um espelho do real, nem sequer a representação do real, mas uma forma
transfigurada do que os sentidos apercebem, a linguagem reduz e apenas o silêncio é capaz de
traduzir. A Arte, neste caso a Fotografia de joãozero, é a transcendência da realidade para o
patamar das emoções e, por incapacidade nossa de as dizer, para um lugar de mistério onde
todas as tentativas de explanação se revelarão destruidoras. Resta-nos a vivência interior, surda,
comovida, que só a contemplação alcança, não como acto passivo mas como instante erótico:
contemplar, mais do que desejar, é possuir sem ter. O tempo é factor determinante nestas
imagens que joãozero pacientemente captou ao longo de cinco anos. Estes instantes que já há
muito deixaram de o ser, são agora universos eternos onde o espírito estacionará doravante e
donde cada um retirará a sua própria experiência. Portal para a memória afetiva individual, as
imagens patentes neste livro narram a pequenez do Homem perante o seu lugar, natural ou
cultural, e onde se pressente o esmagamento da solidão. Mas a aparente realidade sensível que
os olhos veem, é agora outra. Quando o obturador se fechou sobre cada um destes instantes
operou uma centelha de passagem: o que os olhos julgam ver é, agora, um outro estado onde
apenas a visão interior acede. Cada gesto aqui fixado encontra movimento numa dimensão para
além do que é observável. Adivinhamos o destino de quem caminha, a angústia de quem
aguarda, porque a Fotografia é lugar de Vida que, não se vendo, se intui. Nenhuma imagem é a
aparência plástica que os sentidos prendem. Pelo contrário. Cada uma destas Fotografias é o
que está para lá do 'ver'. São os passos fora da imagem, tudo aquilo que nunca nos será
revelado porque acontece numa outra instância que verdadeiramente nos prende ao espanto e
que apenas a grande angular do espírito consegue pressentir. Em cada uma destas Fotografias
há muito mais do que os sentidos julgam decifrar, o que as faz ascender à condição de Música.
Aqui, cada um ouve os fantasmas que construiu, os que lhe são próprios, e os outros que
ambiciona libertadores ou sombrios. A contemplação é templo onde Fotografia e Música se
revelam à ânsia do Belo. Uma vez atingido, vislumbrado, resta ao iluminado a espera do fim.
Pela mão de joãozero andamos perto da vertigem do inominável. Calemo-nos então e ouçamos
as imagens.
Pedro Abrunhosa
Porto, 21 de Maio de 2021